Shiri Eisner questiona preconceitos sobre o que significa
ser bissexual. X escritorx baseadx em Tel Aviv, Israel, é autorx do livro Bi: Notes for a Bisexual Revolution,
nomeado para um Prémio Literário Lamda em
2014.
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Shiri Eisner escreveu BI: Notes for a Bisexual Revolution |
De acordo com um estudo da Universidade de California, Los
Angeles, metade da população gay, lésbica e bi nos EUA identifica-se como
bisexual. Uma sondagem britânica de Agosto último mostrou que uns gritantes 42%
de todas as pessoas residentes no território, entre os 18 e os 24 anos, considera estar algures
no espectro bisexual – não se identificam como completamente heterossexuais nem
como completamente homossexuais. Parece que a cada geração as pessoas encaram a
sua sexualidade menos cristalizada. Apesar de sofreram taxas de violência,
depressão e desemprego mais altas do que pessoas hetero, as pessoas bi
raramente encontram serviços comunitários que lhes sejam especificamente
destinados. Eisner discute estas e outras marginalizações em detalhe no seu livro.
Uma semana apenas após os dramáticos esfaqueamentos no
Pride de Jerusalem, x pioneirx bisexual radical e genderqueer sentou-se
connosco para conversar sobre a natureza mutante da identidade bisexual e os
mitos que ainda persistem sobre pessoas bi.
Emily Zak: Ultimamente têm saído muitos artigos online sobre bisexualidade, mas dizes que o que discutem é muitas vezes demasiado simplista. O que queres dizer com isso?
Shiri Eisner: Há tantos assuntos que devíamos estar a discutir, mas não estamos porque estamos sempre a falar de estereótipos e invisibilidade bi. Por exemplo, várias intersecções entre feminismo e bissexualidade e como mulheres bissexuais experienciam bifobia; a forma como a bisexualidade interage com identidade de género e questões raciais; o que as pessoas bi de cor e as pessoas bi trans têm a dizer. As terríveis, terríveis estatísticas sobre depressão e stress pós-traumático, pobreza, saúde débil e vários outros tópicos precisam mesmo de ser enfatizados.
Emily Zak: Ultimamente têm saído muitos artigos online sobre bisexualidade, mas dizes que o que discutem é muitas vezes demasiado simplista. O que queres dizer com isso?
Shiri Eisner: Há tantos assuntos que devíamos estar a discutir, mas não estamos porque estamos sempre a falar de estereótipos e invisibilidade bi. Por exemplo, várias intersecções entre feminismo e bissexualidade e como mulheres bissexuais experienciam bifobia; a forma como a bisexualidade interage com identidade de género e questões raciais; o que as pessoas bi de cor e as pessoas bi trans têm a dizer. As terríveis, terríveis estatísticas sobre depressão e stress pós-traumático, pobreza, saúde débil e vários outros tópicos precisam mesmo de ser enfatizados.
Apesar destas
opressões, parece que muitas pessoas ainda consideram que a bisexualidade é uma
orientação privilegiada.
Julgo que há a percepção que a bissexualidade é
inerentemente opressiva para qualquer outro grupo, independentemente da
interseccionalidade ou do poder efectivo. Isto é usado para deslegitimar a
bissexualidade quando, na verdade, as pessoas bi não são inerentemente
privilegiadas. Na verdade acho que tem que ver também com misoginia, porque a
maioria das pessoas que se identificam como bissexuais são mulheres. As mulheres
são um alvo fácil.
No teu livro,
aproprias vários estereotipos sobre bissexuais. Por exemplo, dizer que a dita
confusão sobre orientação sexual pode ser um “agente desestabilizador de
mudança social” que faz com que as pessoas duvidem de identidades e estruturas
previamente inquestionáveis. Como é que apropriar estereótipos, em vez de os
refutar, resulta para um movimento bissexual radical?
Um dos problemas das discussões bi focadas em desfazer os
mitos são as suas regras inerentes de normatividade. Se dizemos “não, não
estamos confusxs; não, não somos promícuxs; não, não somos gananciosxs”, então
estamos a aceitar que é errado estar confusa, que é errado ser gananciosa, que
é errado ser promíscuo. E eu pergunto, porque é que temos que funcionar pelas
regras deles? A sociedade chama-nos todas estas coisas porque correspondem a
medos. Quando nos chamam confusxs é uma tentativa de separar claramente a
heterossexualidade da homossexualidade, para que haja um distanciamento óbvio
que não ameace pessoas hetero de passarem para o lado “errado” da equação. Ou
quando nos chamam promícuxs, é porque a sociedade receia a sexualidade fora da
heteronorma, fora da monofamia, fora do casamento, fora da norma.
Esse estereotipo
sobre promiscuidade não pode levar a que se assuma que as mulheres bisexuais
consintam ser hipersexualizadas?
Muitas vezes, quando mulheres se assumem como bissexuais, há
a percepção automática que estão dispostas a ser objectos sexuais. Que queremos ser objectificadas, que existimos para corresponder às fantasias sexuais de
homens – especificamente cisgénero e heterossexuais. Alimenta muitas imagens de
mulheres bissexuais na pornografia. É algo engraçado que com tanto apagamento
bissexual nas referências culturais, uma das únicas áreas onde as pessoas
bissexuais marcam efectivamente presença é na pornografia. O rótulo “lésbica”
não se aplica às mulheres participantes; é para que os homens sejam capazes de
encontrar o que procuram. É também porque os homens querem acreditar que as
lésbicas são na verdade bissexuais, e que todas as mulheres bissexuais são na
verdade hetero, e que as mulheres que se sentem atraídas por mulheres na
verdade precisam de um homem e não o sabem. É sobre centrar o homem enquanto o
assunto verdadeiro das mulheres que se sentem atraídas por mulheres. Mas não é
sobre eles. É sobre nós.
Chamas movimento GGGG
(Gay, Gay, Gay and Gay) ao movimento LGBT mainstream. Porquê?
A maioria dos movimentos LGBT são na verdade dominados por
homens cis gay e brancos e não há recursos suficientes para outros grupos. A
heteronormatividade pode ser reduzida a comunidades LGBT e imposta noutros
membros da comunidade que temos que caber nas regras sociais mainstream para
ser aceites. Lésbicas, pessoas trans, pessoas bis e pessoas ace não têm
recursos suficientes, e muitos outros groupos – pessoas bi e trans de cor,
pessoas a viver na pobreza, juventudes sem-casa.
Nos Estados Unidos investiram-se milhões de dólares no
movimento pelo casamento enquanto que pessoas bi, trans e queer literalmente
morrem nas ruas. [O movimento LGBT mainstream] é uma estrutura que dá
prioridade aos interesses dos que já são priviledigados. Não precisamos de
mudar o que somos para caber na sociedade; precisamos de mudar a sociedade porque
a forma como está construída agora é prejudicial.
Como podemos começar
a corrigir a sociedade nos próximos anos?
Obviamente não temos aquelas dezenas de milhões de dólares
para gastar na promoção da visibilidade e consciencialização do apagamento bi e
do monossexismo. Portanto temos que usar o que temos, e o que temos são as
nossas comunidades. Podemos usar-nos mutuamente para nos organizarmos.
Há muitas dinâmicas problemáticas dentro de organizações
[LGBT e bi pré-existentes] que se tornam difíceis de mudar. Quando muitas
pessoas bi se juntam e tentam mudá-las a partir de dentro, para torná-las mais
inclusivas e oferecer mais recursos quando necessário, a mudança é possível,
mas apenas até determinado ponto. Há certas ideas que são a base para qualquer
organização. Por exemplo, cria-se uma organização com o fim de promover a
igualdade. Seguir-se-á um diálogo fracturante porque o objectivo descrito desde
o início influenciará as actividades levadas a cabo. E estou a falar de
igualdade como um exemplo porque eu não quero igualdade. Porque a igualdade
presume que o sistema é OK e que só temos que fazer adaptações e criar espaço
para outras pessoas. Se nós queremos algo radicalmente diferente, então temos
que o fazer nós próprixs.
Falas muito sobre o
facto de se acusar xs bissexuais de reforçar o binarismo de género. Porque é
que termos como pansexual ou omnissexual são mais aceitáveis nalgumas
comunidades queer?
Há uma espécie de estatuto pária da bissexualidade que eu não sei explicar muito bem. Isto é uma das razões pelas quais gosto da bissexualidade: porque é muito difícil para tanta gente, e eu acho que isto diz algo sobre a bissexualidade porque dificuldade quer também dizer desafio. Tem havido uma tendência há demasiado tempo na teoria e políticas queer de se atribuir qualidades subversivas ao comportamento bissexual ao mesmo tempo que se descreve a identidade bissexual como problemática. Por isso, palavras como “queer” ou “pansexual” permitem às pessoas ter comportamentos bissexuais sem ter uma identidade bissexual, e de repente o comportamento torna-se subversivo e político e reluzente, enquanto que a palavra permanece na sombra.
Há uma espécie de estatuto pária da bissexualidade que eu não sei explicar muito bem. Isto é uma das razões pelas quais gosto da bissexualidade: porque é muito difícil para tanta gente, e eu acho que isto diz algo sobre a bissexualidade porque dificuldade quer também dizer desafio. Tem havido uma tendência há demasiado tempo na teoria e políticas queer de se atribuir qualidades subversivas ao comportamento bissexual ao mesmo tempo que se descreve a identidade bissexual como problemática. Por isso, palavras como “queer” ou “pansexual” permitem às pessoas ter comportamentos bissexuais sem ter uma identidade bissexual, e de repente o comportamento torna-se subversivo e político e reluzente, enquanto que a palavra permanece na sombra.
Algumas pesssoas
dizem que porque a palavra bissexual tem o prefixo bi, as pessoas bissexuais só
se sentem atraídas por dois géneros. Tu refutaste isso no teu livro.
Inquéritos recentes mostram que 25% das pessoas trans se
identificam como bissexuais. Portanto é irónico que as pessoas que têm a
pretensão de ser aliadas das pessoas trans acusem a bissexualidade de ser binária ou transfóbica.
A palavra bissexualidade não foi inventada pelas comunidades
bissexuais; foi inventada pelas instituições médicas e psicológicas do final do
século XIX. A única ideia que tinham sobre género na altura era o binarismo, e
definiram várias orientações sexuais para as patologizar, e não para as
empoderar. A comunidade bi só reclamou o termo mais tarde, e atribuimos-lhe o
significado que quisemos. Hoje, a maioria das organizações bi que existem pelo
mundo definem bissexualidade como atracção por mais do que um género ou por
géneros diferentes e semelhantes ao nosso.
Também há o facto de as comunidades bi geralmente serem mais
acolhedoras de pessoas trans do que comunidades gays e lésbicas. Por isso, não
acho que seja sobre transfobia; o que não quer dizer que não haja transfobia em
comunidades bi. O discurso “bi é binário” funciona por não haver
consciência das comunidades bissexuais; trata-se de redefinir a bissexualidade para
que pareça menos válida.
Vês as comunidades bi
e trans como aliadas naturais, mas já disseste, em entrevistas passadas, que
batalhaste para ser aceite em grupos queer ou trans como uma pessoa bissexual e
genderqueer.
Sim. Na verdade, a comunidade bi de Israel começou porque
não encontrámos um espaço seguro na comunidade trans. Na altura, a comunidade
trans era relativamente nova, e tinha muito espaço para identidades e para
diálogos mesmo radicais e interseccionais, mas a bissexualidade continuava a
ser tratada como negativa. Assumiam que eu era cis e heterossexual porque eu costumava
vestir-me mais femme na altura e estava a sair com um rapaz. Havia algumas
pessoas entre nós nessa comunidade que se sentiam assim, e por isso começámos a
fazer activismo pela bissexualidade.
Qual a importância de
as pessoas reclamarem a sua bissexualidade?
Primeiro e antes de tudo, nós vivemos numa sociedade que diz que a bissexualidade é proibida, tanto como comportamento como sobretudo enquanto identidade.
Primeiro e antes de tudo, nós vivemos numa sociedade que diz que a bissexualidade é proibida, tanto como comportamento como sobretudo enquanto identidade.
Há tantas referências culturais que dizem que não é válido
ou viável identificares-te como bissexual, que é impossível, ou que é
opresivo, ou que identificares-te como bissexual faz com que confirmes todos os
estereótipos. Em tal contexto, há um direito enorme a identificares-te como
bissexual.
Reclamar a identidade bi é importante particularmente para
quem é mais radical ou interseccional porque uma das coisas que é importante
fazer é contaminar a bissexualidade com todos os significados que nos dizem que
entram em contradição com a bissexualidade. Continuo a encontrar o argumento
que as discussões bi não são interseccionais ou que há ausência de diálogo queer
radical. É lixada a forma como a bissexualidade é inerentemente excluída dessas
políticas porque eu acredito que a bissexualidade tem muito a contribuir.
A bissexualidade é
discutida frequentemente como tema único, separado de questões de género,
raciais e de identidade de género.
Muitos movimentos fazem isso. Pegam apenas num tópico, o que
por sua vez cria ainda mais exclusões das pessoas marginalizadas multiplamente
nesse grupo. Como disse Audre Lorde “Não há lutas de um só assunto porque nós
não vivemos vidas de um só assunto.” E é por isso que discussões bi de um só
tema deixam para trás, por exemplo, mulheres bi, pessoas de cor bi, pessoas
incapacitadas bi, pessoas trans bi, pessoas assexuais bi. Quando crias espaços
interseccionais, tens mesmo que prestar atenção às identidades, ao poder e
hierarquias, estar disponível e ser capaz de ouvir as pessoas que são
interseccionalmente marginalizadas, e centrar essas vozes, em vez de centrar as
pessoas privilegiadas.
Referes que ser
bissexual significa “passar” constantemente. Quais são as consequências mais
prejudiciais de pessoas bissexuais passarem por gay ou hetero?
É mesmo impossível as pessoas bi apresentarem-se como bi
porque a presunção dominante é que toda a gente é monossexual, que toda a gente
se sente atraída por um género apenas. Podemos segurar uma bandeira bissexual e
as pessoas vão argumentar que a bissexualidade não existe.
Parte do problema é que o passing seja usado para argumentar
que as pessoas bi são na verdade umas privilegiadas. Dão sempre o mesmo
exemplo, que é uma mulher bissexual numa relação com um homem cis hetero. Uma
das coisas que cria suspeição é porque é que este argumento é dirigido a
mulheres e porque é que é especificamente relacionado com homens? Porque há
tantas formas de pessoas bi estarem em relações, de pegar num exemplo
marginalizado. Porque mesmo que sejas uma mulher cis e bi ou qualquer pessoa
que passe como mulher cir em qualquer relação cum uma pessoa que passe como
homem cis, nem tudo na tua vida está contido nessa relação. E mesmo quando
está, não quer dizer necessariamente que seja uma experiência simples de
privilégio.
As mulheres bi, em particular, corrrem muito mais risco de
violência íntima e sexual dentro de relações do que mulheres hetero ou
lésbicas. E há muitas outras complicações. Homem cis e hetero, na maioria dos
casos, foram muito pouco expostos a algo além da heteronormatividade, e eles
não sabem ser nossos aliados. Tantas mulheres bi dizem que quando se assumem
aos seus parceiros cis e hetero o que eles dizem é “oh, meu deus, isso é tão
sexy. Talvez devamos fazer um menage.” O que é basicamente a resposta menos
apropriada de sempre. E isto é só um exemplo de mulheres bissexuais que têm
relações com homens, o que está longe de definir a experiência bissexual
vivida. As nossas vidas são muito mais complicadas do que isso.
Já deste imensas entrevistas. Há algumas perguntas que
gostarias que te fizessem?
Normalmente não me perguntam sobre a situação particular em
Israel, sobre a qual eu falo no livro relativamente à identidade Mizrahi [árabe
judia] e zionismo e pink-washing. Dei o exemplo de um filme que mostra um
Mizrahi cuja bissexualidade [comportamental] é usada para enfatizar a sua homofobia
internalizada. A identidade Mizrahi é muitas vezes entendida como sinónimo de
homofobia e LGBTfobia. Muitas vezes, ser-se bissexual e Mizrahi é visto como
uma contradição de identidades, o que é racista em todas as frentes.
O governo Israelita faz pink-washing em Israel usando
propaganda para que seja visto como liberal, o paraíso gay, enquanto que
retrata os países vizinhos árabes e muçulmanos como inerentemente homofóbicos.
Eu acho que usar a bissexualidade sabotaria os seus propósitos porque não se
enquadra na imagem que eles querem criar.
Há uma académica queer pós-colonial chamada Jasbir Puar que
chama a isto homonacionalismo, que é a forma como os governos adoptam certas
comunidades brancas, gay e cis para parecerem mais tolerantes, mas com o preço
da assimilação. Em Israel, é muito também sobre militarismo. A comunidade gay
está ansiosa por ser incorporada no dogma governamental porque lhes traz mais
recursos, e o governo beneficia com isso, pois permite-lhe ter melhor
aparência. Mas, no fim, isto é assimilação por uma estrutura prejudicial. Eu não
acho que seja a forma correcta de agir, matando pessoas e suportanto
militarismo, governo e normatividade. É algo que está destinado a falhar e a
falhar-nos, porque nós contribuimos para as mesmas estruturas que são
responsáveis por nos oprimir.
Nota da entrevistadora: A entrevista original foi editada
por questões de tamanho e clareza.
Traduzido por bilena. O original, na Bitchmedia
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