Este artigo sobre o Dia da Visibilidade
Bissexual quase fez com que eu fosse despedida.
25 de setembro
de 2015, por Goblin
Uma das razões pelas quais tenho andado
meio desaparecida é o facto de recentemente me ter tornado colunista na SheWired, um site queer para mulheres, sediado em Los
Angeles. A maior parte do conteúdo era bastante interessante e eu até gostava do trabalho apesar do formato clickbait
do site, mas eventualmente tive alguns desentendimentos por causa dos pronomes
de género neutros (eu gosto de os usar, o site não) e depois por causa deste
artigo que escrevi para o Dia da Visibilidade. Na SheWired foram
geralmente agradáveis para comigo mesmo apesar das nossas divergências
ideológicas, por isso peço-vos: nada de justiceiros ok? E em seguida fica o tal
artigo que foi a gota de água.
*10 coisas que as bissexuais gostariam
que as lésbicas soubessem*
Honrando a semana da visibilidade BI
aqui ficam algumas coisas que esta bi adorava que as lésbicas soubessem acerca
do que é ser-se bissexual e sentir-se atraída por mulheres. Poderíamos
provavelmente condensar tudo o que se segue em "Nós existimos! Não estamos
a fingir a nossa atração por ti! Por favor tratem-nos com simpatia!" mas
isso não seria nem de perto nem de longe suficiente...
·
A
Invisibilidade BI é uma porra;
Não é nada divertido ter que
justificar, explicar ou falsear a nossa sexualidade, mesmo em espaços queer.
Não, eu não "costumava ser gay", nem hetero, eu sou bi e se a minha
companheira é mulher eu continuo a ser bi (ou #aindabi, como se diria pela net)
e quando saio com um homem, continuo a ser bi. Em ambas as situações eu tenho
que lutar pela validação e reconhecimento da minha sexualidade e enfrentar
dificuldades de reconhecimento e aceitação semelhantes àquelas que a comunidade
queer tem vindo a enfrentar há já décadas. Corrigir os pressupostos das
pessoas - primeiro, que ou és gay ou hetero, e depois, que não te pareces
encaixar nos estereótipos negativos que elas fazem acerca das bissexuais - é
emocionalmente desgastante e muito stressante. Todo este apagamento e
questionamento da nossa identidade pode resultar até na degradação da nossa
saúde mental (ver ponto 10).
·
Nós não
precisamos de estar simultaneamente com um homem e uma mulher;
Ser bi não significa que tenhamos que
nos relacionar com todos os géneros para estarmos satisfeitas (mas se fores
poly e toda a gente consentir, por favor está à vontade!). Ser bi significa
apenas que somos atraídas por todos os géneros - homens, mulheres e pessoas não
binárias também, é por isso que há muitas pessoas bi que dizem que se
"apaixonam por pessoas e não por géneros". Se estamos numa relação
monógama e somos bi isso não quer dizer que vamos correr atrás de outra pessoa
qualquer só porque ela é de outro género, - se somos monógamas e estamos
apaixonadas somos monógamas e estamos apaixonadas e a nossa bissexualidade tem
tudo a ver com isso. Por falar nisso...
·
Não, não te
vamos "deixar por um homem";
Se a relação não estiver a funcionar é
claro que podemos acabar, mas não, não estamos contigo só porque ainda não
apareceu um homem nas nossas vidas. Mesmo, mesmo, mesmo! Estatisticamente
falando, existem muitos mais homens interessados em relacionar-se com mulheres
do que mulheres interessadas em relacionar-se com mulheres, e dada a frequente
hostilidade da comunidade lésbica para connosco até não seria
surpreendente que nos quiséssemos relacionar com um homem depois de termos
terminado uma relação com uma lésbica. Mas isto não invalida em nada a nossa
atração real e genuína por mulheres. No meu círculo queer de
relacionamentos, uma parte significativa das relações duradouras entre mulheres
ocorrem entre mulheres bi e eu adorava poder dizer que isso não tem a ver com o
facto das mulheres lésbicas nos tratarem como lixo ou invalidarem a nossa
atração por mulheres, mas não posso. De igual modo, também me parece que existe
muita confusão e misoginia internalizada em alguém que diz que as mulheres bi
preferem estar com homens ou que terminam relações com mulheres quando um homem
aparece. Sim, existem menos barreiras culturais a impedir a relação de mulheres
bi com homens mas a comunidade lésbica ela própria impõe bastantes barreiras ao
relacionamento com mulheres bi e isso apenas torna tudo pior para toda a gente.
Nós estamos aqui! Cheiramos bem! Achamo-vos atraentes! Por favor acreditem em
nós!
·
Temos que levar
com insultos quer de homoxs quer de heterxs;
A sério, de um lado ouvimos muitas
mulheres que se identificam como lésbicas e que nos maltratam, desrespeitam, se
recusam a levar-nos a sério e quase nos pedem "credenciais queer",
e do outro lado temos heterxs que ignoram, negam e gozam com a nossa
sexualidade, ou então, que tentam levar-nos para a cama para os seus parceiros
assistirem. Infelizmente a bifobia existe também nos espaços queer –
enquanto estava a trabalhar na SheWired foi frequente pedirem-me para
mentir sobre o género dos meus parceiros, para usar pronomes femininos mesmo
quando me referia a pessoas genderqueer e para ignorar a minha
identidade bissexual. Nos espaços hetero, as pessoas pensam que eu sou uma
"freak", "puta" ou indigna de consideração cada vez
que menciono ex-parceiras. Todas as pessoas assumem que me relaciono com um
homem e o número de vezes que me perguntaram se eu sou uma
"ex-lésbica" é astronómico, não tem piada nenhuma. Parece que as
mulheres bi não pertencem a lado nenhum se não com outras mulheres bi ou em
espaços bi-friendly, que até são bastante difíceis de
encontrar, e daí também o isolamento que sofremos. E, claro, isto é
tudo ainda pior se fores bi e trans. Eu por acaso estou inserida numa
comunidade queer que até é bastante aberta e acolhedora das identidades
trans, fluídas e bissexuais e tudo o mais, mas a maior parte das
pessoas não têm esta sorte e isto pode trazer consequências graves. O
sentimento permanente de rejeição e marginalização a que somos sujeitas afectam
a nossa saúde mental e bem estar.
·
Não somos
todas promiscuas;
É claro que algumas de nós são e não há
problema nenhum nisso desde que as relações sejam consensuais, responsáveis e
seguras, mas existem também muitas mulheres bi que são exclusivamente monógamas
e não é justo que nos insultem constantemente e nos dirijam slut shaming,
sobretudo por parte de mulheres lésbicas. A bissexualidade e a promiscuidade
são aspectos de vida COMPLETAMENTE SEPARADOS, não é porque partilhamos de um
que automaticamente comungamos do outro.
·
Quando vocês
marcham nós também estamos lá – lado a lado - pelos direitos de toda a gente;
As mulheres bi sempre participaram nos
protestos e reivindicações, já desde Stonewall (e até muito antes),
batalhando por direitos e reconhecimento. Actualmente continuamos a lutar, e
também pelas mesmas razões que vocês - para resistir à discriminação, para
sermos tratados com respeito ao invés de sermos objetificadas por esta
sociedade machista e patriarcal, para que as nossas relações e parceirxs sejam
consideradxs de forma igual, para educar as pessoas acerca dos relacionamentos queer,
para resistir à intromissão da religião e dos preconceitos culturais e
finalmente para obter reconhecimento, validação e aceitação. Nós estamos todas
do mesmo lado e é doloroso e profundamente alienante saber que existem tantas
pessoas monossexuais a desconsiderarem-nos deste modo.
·
Aturamos as
mesmas porcarias que vocês;
Nós também temos que aturar muita da
porcaria que as lésbicas aturam. As nossas relações e vida sexual são
constantemente objetificadas e definidas em função da excitação que possam
provocar nos homens hetero, e a nossa sexualidade é frequentemente encarada
como uma "fase" ou escolha de vida inválida. Somos vistas como freaks,
esquisitóides ou provocadoras que só querem atenção, neste mundozinho
heteronormativo, pelo que somos abordadas frequentemente por pessoas de todos
os géneros que só nos querem foder ou fazer arranjinhos com os seus parceiros.
·
Não, não nos
estamos a fazer passar por heteros;
Uma das coisas que nos atiram
repetidamente à cara é que quando estamos com um homem estamos a fazer-nos
passar por hetero e assim comungamos do privilégio heterossexual. Infelizmente
isto é uma grande treta: primeiro, fazermo-nos passar por hetero quando de
facto não somos hetero equivale a termos a nossa identidade sexual constantemente
policiada, atacada, ignorada e invalidada; segundo, nós não temos privilégio
hetero porque (uma vez mais) se não somos hetero não o podemos ter! Ter
privilégio hetero implica vivermos num mundo que reconheça e valide a nossa
sexualidade e experiências sexuais, em que correspondemos às expectativas
sociais e elas não são contrariadas. Ora isto é completamente o contrário
daquilo que se passa quando nos assumimos como bi - a nossa identidade é
continuamente invalidada e somos constantemente chamadas a justificar a nossa
orientação (frequentemente com hostilidades por parte quer de heteros quer de
lésbicas e gays, ver acima). As representações culturais da bissexualidade são
mínimas, muitas vezes desrespeitosas e fortemente sexualizadas. Como pessoa bi
que namora com outra pessoa bi, a minha identidade, e a da minha parceira, é
apagada e há uma série de projeções problemáticas a serem feitas sobre nós por
parte das pessoas em geral.
·
Estamos muito
mais vulneráveis à violência e ao abuso;
É mesmo deprimente, mas tal como este relatório do Advocate refere, existe uma probabilidade 3 vezes superior das
mulheres bissexuais serem violadas quando comparando com as mulheres lésbicas.
A incidência de agressões sexuais, violência doméstica e perseguição também é
maior se comparada quer com a de mulheres lésbicas quer com a de
mulheres heterossexuais. Mas isto não é tudo – não só sofremos um risco
maior de abusos e violência como o nosso suporte social é muito menor e os
índices de depressão e stress pós-traumático, em consequência de
violações, são mais elevados. Temos também das experiências mais
negativas com os prestadores de cuidados de saúde e com a polícia quando
procuramos ajuda, ou seja, enfrentamos hostilidades mesmo quando nos
encontramos no processo de recuperar de um trauma. E, claro, tudo isto é ainda
pior no caso das pessoas simultaneamente bissexuais e trans, negras ou
deficientes, ou qualquer outro grupo marginalizado que acumule opressões.
·
Temos maior
incidência de depressão e de problemas relacionados com a saúde mental;
Existe uma probabilidade maior das mulheres bissexuais sofrerem de
depressão, ansiedade, auto-mutilação e ideação suicida quando comparadas com
outras mulheres. Segundo o Relatório sobre Bissexualidade (2012), as mulheres bissexuais têm uma
probabilidade 5.9 vezes maior de sofrerem tendências suicidas quando comparadas
com as suas congéneres heterossexuais. Também a incidência de outros
problemas de saúde mental é maior entre pessoas bis do que entre lésbicas, gays,
ou pessoas heterossexuais: por exemplo, num estudo que envolveu participantes
numa conferência sobre bissexualidade, 36% dos participantes bissexuais
referiram ter um ou mais problemas de saúde física e mental com prejuízo da sua
qualidade de vida quotidiana, enquanto que aproximadamente 1/4 dos
participantes referiu ter sido diagnosticado profissionalmente com um problema
de saúde mental como a depressão (16%), ansiedade (8%) e auto-mutilação (8%).
Caso ainda não seja evidente, vocês podem ajudar a melhorar esta situação.
Sejam simpáticxs connosco, aceitem-nos, parem de fazer piadas acerca da nossa
“putice” ou de agir como se os pénis fossem contagiosos - e por favor tenham em
consideração as mulheres trans que se identificam como lésbicas, já que
dizer-lhes uma coisa dessas é realmente repulsivo.
A hostilidade e apagamento que as mulheres bissexuais enfrentam na
comunidade queer e no mainstream hetero contribuem para a
vulnerabilidade face aos abusos e violência e para a ocorrência substancial de
experiências de depressão, ansiedade e ideação suicida. Portanto um pouco mais
de consideração pelas mulheres bi poderia mudar verdadeiramente este mundo para
um lugar muito melhor.
n.b. Gostaria de agradecer a Maddie Lynn pela ajuda com este
artigo e também a Jo, Jen, Sam, Andromeda, Catherine, Psyche, Catriona,
Stacy, Shreena and Eve.
Traduzido por birrita. O artigo original em: a can opener in a worm factory.